Um olhar mais aprofundado sobre o Quilombo Palmital dos Pretos
No mês de novembro aconteceu a exposição “Um Olhar no Quilombo”, no Museu Histórico de Campo Largo. O Sindimovec marcou presença e conheceu um pouco mais sobre a comunidade quilombola localizada no interior da cidade. Na oportunidade, Cristiane Ferreira, chefe da Divisão de Regularização Fundiária na Prefeitura de Campo Largo e responsável pela ação, conversou conosco
A exposição sobre o Quilombo Palmital dos Pretos foi uma realização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, em parceria com a Secretaria Adjunta de Cultura de Campo Largo. “A ideia nasceu durante a execução do Programa Nacional de Habitação Rural – PHNR que nossa equipe acompanha na região de Palmital dos Pretos”, comenta Cristiane, responsável pela amostra que fez parte da Semana da Consciência Negra.
E antes de qualquer coisa, é preciso lembrar que a cultura quilombola, presente na Comunidade Palmital dos Pretos, é uma fonte de conhecimento e faz parte das diversidades culturais do município de Campo Largo. O povoado fica na zona rural da cidade, tem aproximadamente 70 moradores, localizado a 60 km do perímetro urbano da capital da louça, fazendo limite com o município de Ponta Grossa.
Cristiane revela que, inicialmente, foi feito um levantamento sócio econômico da região e dos beneficiários do “Programa Nacional de Habitação Rural”. Durante esse trabalho, se identificou um problema na comunidade: “eles já haviam perdido bastante sua identidade cultural”.
Em 2006 a Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, reconheceu a comunidade como remanescente de um Quilombo e, apesar do curto período de formalização, há muitos registros de trabalhos já realizados no Palmital dos Pretos. Dados que ajudaram a fazer o resgate histórico que culminou na exposição:
“Pensamos em livro, depois um documentário, ou alguma outra coisa que trabalhasse com a questão cultural do lugar. Daí veio à ideia de fazer a exposição. Primeiro fizemos o levantamento cultural e histórico, com os dados do patrimônio histórico material e imaterial da comunidade, identificados através dos trabalhos científicos publicados sobre Palmital dos Pretos, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – que realiza estudos na região desde 2008. Após essas pesquisas foi que chegamos ao conteúdo da exposição” – Cristiane Ferreira (CF).
Início
Como em qualquer lugar, quando um estranho chega numa região mais isolada, há necessidade de tempo para adaptação e aceitação por parte dos moradores da comunidade. Para garantir essa aproximação, Cristiane explica que foram feitas inúmeras reuniões e após aprovação, pelos moradores da comunidade, da exposição, o grupo de apoio passou a carregar outra responsabilidade: a de fazer um trabalho permanente:
“Numa das reuniões, uma moradora disse: “eu só quero falar uma coisa: vocês vêm aqui tirar fotos, colocar na internet e a gente nunca vê, nunca fica sabendo do resultado do trabalho. A gente se sente como se tivesse num zoológico”. E é justamente isso que queremos quebrar. Por isso colocamos para eles decidirem se queriam a exposição ou não. Nosso objetivo é valorizar a questão cultural e o pertencimento territorial. É para eles se sentirem parte da exposição” – CF.
Hoje Cristiane desenvolve outras atividades no Quilombo, como ajudar na questão da água potável, no funcionamento das bombas d´água; além de manter as reuniões com os moradores e visitas técnicas. Para ela, há muito trabalho pela frente e é preciso mobilização da sociedade:
“Temos mais ações que precisam ser feitas lá no Quilombo, principalmente na questão da educação e saúde, pois é algo que eles realmente precisam” – CF.
A rotina da comunidade muda quando a equipe médica do Posto de Saúde de São Silvestre vai atendê-los. Isso ocorre toda sexta-feira, na cozinha comunitária construída em 2011; um espaço equipado com água e indústria de panificação, que é uma alternativa para o empoderamento, inclusive financeiro, dos moradores.
“Desde muito tempo eles recebem doações de roupa, brinquedos e comida. Mas a ideia da cozinha é para gerar renda. Foram feitos vários cursos de capacitação” – CF.
Comunidade
O Quilombo Palmital dos Pretos existe desde 1850. Inicialmente a região pertencia ao município de Palmeira. Os escravos da região, após libertos, se tornaram detentores dessas terras e, após todos esses anos, muita coisa mudou; principalmente quando o assunto são as raízes culturais dessa comunidade. Após 168 anos a maioria dos habitantes não são negros e as matrizes afro brasileiras, como o candomblé e a umbanda, foram substituídas pelas religiões católica e evangélica.
Mas há na comunidade ações de resistência cultural e preservação da matriz africana, como é o caso do trabalho do capoeirista Idelci de Medeiros e Souza Junior, o “Chumbinho” (nosso próximo entrevistado), que mora no distrito de Três Córregos, 20 km do Quilombo, e responsável por disseminar a dança e a capoeira; inclusive na cidade de Campo Largo.
Ainda sobre o resgate das raízes culturais da região, de 2005 até 2010 foram identificados, pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura, vários remanescentes quilombolas no Paraná, como Palmital dos Pretos e Sete Salto (que ainda não foi reconhecido). Outra fonte de informação para saber mais sobre o Quilombo em Campo Largo é através do Documentário – Quilombolas Refugos da Escravidão (TV Evangelizar).
Outro avanço na comunidade foi a criação da Associação Quilombola Palmital dos Pretos de Campo Largo, para dialogar com mais facilidade com o poder público. Foi através da Associação que se concretizou a instalação da cozinha comunitária e houve produção de pães caseiros que foram comercializados durante um período.
Apesar de atualmente a cozinha comunitária não estar em pleno funcionamento, os moradores do Quilombo mantém seu cotidiano de muito trabalho e preservação de sua cultura secular:
“Há agricultura de subsistência. Eles plantam um pouco de tudo (milho, feijão, algumas árvores frutíferas), mas não é nada que a gente consiga dimensionar. Também vivem de doação. A maioria está aposentada e se mantém com essa renda (os mais velhos)” – CF.
Exposição
O Quilombo faz parte da raiz cultural brasileira, foi o refúgio dos escravos, o lugar onde os negros se agruparam para lutar por liberdade. Questionada sobre as visitações durante a exposição, Cristiane explica:
“Vieram principalmente alunos de escolas municipais e estaduais, mas também particulares. Adolescentes e crianças. Eles ficavam em silêncio o tempo todo. Prestando muito a atenção no que eu estava falando. É algo que eles ficam interessados. Também fizemos contato com professores que tem bastante interesse em trabalhar com a comunidade” – CF.
Para o futuro, uma das principais forças da comunidade, Arildo Portela, presidente da Associação Palmital dos Pretos, busca transformar a área em região turística e voltada ao intercâmbio cultural, recebendo alunos de instituições de ensino, além de fazer ecoturismo. Arildo é filho de Alceu do Pilar, que fez todos os itens da exposição no Museu Histórico de Campo Largo:
“Essa família é muito engajada. São eles que dão vida a essa cozinha comunitária. Eles que fazem o almoço quando tem recebimento de pessoas, são eles que mobilizam e movimentam a comunidade. O Arildo é o maior representante da juventude lá no quilombo e é uma inspiração para os pequenos. Para que a nova geração se mantenha lá” – CF.
Por fim, uma das conclusões, nessa primeira entrevista de uma série que o Sindimovec irá produzir sobre o Quilombo Palmital dos Pretos Muitos, é que existe uma região, em Campo Largo, que faz parte da raiz histórica brasileira. Mesmo sendo uma comunidade isolada, tendo sua cultura muitas vezes negligenciada, o mais importante é respeitar o que os quilombolas do Palmital dos Pretos são: seres humanos.
“Eu tenho um carinho bem especial por essa comunidade. Quero fazê-los enxergar um rio de possibilidades que habita neles. Eles têm uma cultura que foi negligenciada por muito tempo e hoje não tem mais identidade cultural. Acho que a gente tem um compromisso ético de trazer o valor para a cultura verdadeira deles, seja ela qual for” – conclui Cristiane Ferreira.
Veja a galeria de imagem dos itens que foram expostos no Museu de Campo Largo:
Por Regis Luís Cardoso (texto e fotos).