Prisão de Lula: Relatos de uma noite de sangue, bomba e militância
Sérgio Domingos é filiado ao Partido dos Trabalhadores de Campo Largo e vice-presidente do Sindimovec. Também Metalúrgico e Administrador. Quando soube que Lula seria preso na Polícia Federal, em Curitiba, no dia sete de abril, foi até lá e sentiu na pele os abusos de quem trabalha para proteger os cidadãos
Marcas do sete de abril de 2018, uma data histórica. Neste dia, o maior líder popular contemporâneo do país foi preso. E esse acontecimento mobilizou diversas frentes ligadas aos partidos políticos e movimentos sociais de esquerda a irem para os arredores da Polícia Federal em Curitiba demonstrar solidariedade ao ex-presidente. Neste contexto estava o vice-presidente do Sindimovec, Sérgio Domingos. Hoje, após pouco mais de uma semana do ocorrido, ele ainda carrega consigo reflexos de uma noite sangrenta. O relato do militante do Partido dos Trabalhadores de Campo Largo vai da euforia em participar do movimento pró-Lula até o terror de ser atacado pela Polícia em Curitiba.
Tudo começou em Campo Largo, quando Sérgio e um amigo entraram num carro e partiram para uma jornada inesquecível na capital paranaense. Ato em solidariedade a “um homem simples, que nasceu em Pernambuco, veio no pau de arara pra São Paulo, passou fome, e, atualmente, é reconhecido como uma das maiores lideranças do planeta”, disse Sérgio, vice-presidente do Sindimovec, que conta como tudo aconteceu nesta conversa.
Pergunta (P): Como foi quando vocês chegaram a Polícia Federal em Curitiba?
Sérgio Domingos (SD): Cada vez que chegávamos mais perto da Avenida Paraná, o trânsito piorava. Já proximidades do Terminal Santa Cândida, virou um caos. Demoramos vinte minutos para percorrer dois quarteirões, até que conseguimos estacionar. Então subimos a rua sentido o prédio da PF. Por essa mesma rua subiam os pró e contra Lula e as provocações eram imensas e intensas. Logo no semáforo da Avenida Paraná havia um sujeito agitando uma enorme bandeira do PCdoB, sozinho, sem ninguém ao lado. Os pró-lula passavam e ovacionavam sua coragem. Os contra o xingavam dos piores palavrões possíveis. Foi ali que percebi que o clima era tenso.
Só depois quando chegamos num determinado ponto, na esquina da Rua Dr. Barreto Coutinho com a Rua João Gbur que vimos um bloqueio policial indicando a entrada dos pró-lula num lugar específico e os contrários para outro ponto. Quando chegamos havia crianças, adultos, idosos, pessoas com deficiências, além da vizinhança local, que saia na janela, nas portas ou iam pra fora dos portões.
P: Até esse momento o clima estava tranquilo?
SD: Sim. Um movimento lindo. Com canções de ordem, na maioria das vezes pedindo a liberdade de Lula. Comecei a me misturar na multidão pra encontrar mais amigos. Os agentes da PF que estavam do lado de dentro do portão conversavam pacificamente com quem estava do lado de fora, bem perto da grade. Todos estavam em paz, conversando, tocando tambores e cornetas, falando ao megafone palavras de ordem.
Do outro lado o movimento dos ativistas anti-Lula também era bem intenso. Não consigo imaginar quantas pessoas tinha lá. Eles tinham muitos foguetes e a todo o momento eram lançados em comemoração a prisão de Lula.
P: A partir de que momento você percebeu que o bicho ia pegar?
SD: Quando avistamos um helicóptero vindo. Foi aí que as pessoas do lado de cá começaram a ovacionar Lula, cantar canções, hinos, acender sinalizadores, etc. Do outro lado, o estouro de foguetes e rojões se intensificou. Parecia comemoração de virada de ano em Copacabana. De repente algo explodiu na minha frente, poucos metros de mim. Foi um estouro horrível. Nunca tinha ouvido aquilo. Um barulho ensurdecedor. Meu ouvido ficou zumbindo por um bom tempo. Depois começou muita fumaça que ardia os olhos – mais que o normal – e prejudicava a respiração.
Como eu nunca tinha passado por isso, não sabia o que estava acontecendo. As pessoas se assustaram e começaram a correr. Além disso, senti meu braço e minha perna arder. Então virei pra trás procurando meu amigo e vi uma bola de fumaça vindo do alto. Não sei se foi lançada de dentro da PF ou pelas pessoas que estavam do outro lado. Caiu poucos metros de mim e explodiu. Novamente o ouvido zumbiu por causa da força da explosão e senti minha testa arder. Além disso, meus olhos lacrimejavam, dificultando a visão e a respiração.
Então decidimos voltar para o carro e, ao chegar ao primeiro cordão de isolamento da política, ele já estavam se armando com capacetes, cassetetes e escudos. Pediram que fôssemos embora e, no que descemos a rua, várias viaturas do batalhão de choque subiram às pressas. Eram umas seis viaturas. Um policial desceu, com uma espingarda na mão e me chamou de filho da p***, me deu um chute por trás e me mandou seguir em frente. Eu desci calmamente e em seguida encontrei meu amigo. Seguimos para o carro e saímos dali.
P: Você acha que justifica esse nervosismo todo por parte da polícia durante os acontecimentos?
SD: Eu não sei o que motivou o lançamento das bombas no momento em que estávamos pacificamente em frente a PF. Eu achei que a ideia era que ninguém ficasse em frente ao prédio. O problema foi à chegada do batalhão da Policia Militar. Nesse momento as pessoas começaram a se dispersar descendo uma rua. Foi então que nos deparamos com os policiais gritando, xingando, todos armados e agressivos. Nesse momento cada um correu pra onde dava. Vi gente entrando em estabelecimentos comerciais, casas com portões abertos, etc. Tudo pra se proteger.
P: Após pouco mais de uma semana, pensando friamente, acha que houve abuso da PM?
SD: como eu disse, não sei o que motivou da ação da polícia, mas achei, sim, que houve abuso. Ainda mais quando, em um vídeo gravado pelo presidente do PT do Paraná, o Dr. Rosinha, ele disse que estava assinando um termo dentro da Policia Federal, junto com outras autoridades, para que pudéssemos ficar.
P: Você se machucou? O que aconteceu contigo?
SD: Sim. No momento da explosão das bombas e da correria senti meu braço, perna e cabeça arder. Quando chegamos ao carro foi que eu vi que meu braço estava bem machucado, minha perna e minha cabeça também foram atingidos. Meu amigo também machucou a perna.
P: O que mais te chocou nessa história toda?
SD: Várias cenas. Pessoas desmaiadas sendo carregadas, crianças chorando assustadas, gente idosa tentando fugir, etc. Mas o que mais me chocou foi quando os manifestantes anti-Lula comemoraram isso tudo. Eu ouvia pessoas dizendo “matem todos”, “petista bom é petista morto”, “desce o cacete nesses vagabundos”. Cara, eu não sou vagabundo. Trabalho doze, às vezes 16 horas, por dia. Sou metalúrgico, também estudei e me formei em administração de empresas com muita luta, aí um indivíduo que nem me conhece vem me chamar de vagabundo? Só por que ele não concorda com o que eu defendo? Está errado isso! É muita intolerância.
P: Foi a primeira vez que sofreu uma violência em manifestação?
SD: Sim. Fui a várias manifestações. Todas elas de forma pacífica. Sou totalmente contra a violência. Nada justifica uma pessoa atacando a outra. Ainda mais quando as opiniões são divergentes. Muitos já perderam amigos e até familiares por brigas assim. Infelizmente parece que nada freia esse avanço do ódio de classes. Espero que em breve essas pessoas tenham consciência do mal que estão fazendo.
P: O que pensa hoje sobre tudo que aconteceu no dia sete de abril?
SD: Várias coisas. Esse ódio contra a esquerda nos torna alvo de todo e qualquer tipo de ataque. O pior é que tem gente que aplaude isso e, muitas vezes, quem aplaude mal sabe o que está fazendo. O faz acompanhando algum amigo, familiar ou conhecido. Não leu nada sobre nossa luta, que é feita para melhorar a condição de todas as pessoas.
Por Regis Luís Cardoso (Foto Capa: Joka Madruga).