Fiat Campo Largo: há algo de muito podre no reino da Itália
A luta de “Davi contra Golias” em Campo Largo continua. E os novos capítulos assustam. Se na passagem bíblica, que faz alusão a uma luta desproporcional, as coisas se resolveram, na capital da louça, localizada na Região Metropolitana de Curitiba, as práticas antissindicais promovidas pela Fiat foram atualizadas
Trabalhadores, vocês já estiveram numa situação em que se sentiram enganados? Pois então, na manhã do dia 10 de julho, em reunião na capital paranaense, Sindimovec e Fiat sentaram para encerrar as negociações coletivas de 2019, que se arrastam desde março. Mas o que era pra ser o término da saga ‘Acordo Coletivo 2019 dos Trabalhadores da FCA’ acabou com uma surpreendente intransigência patronal. Agora só resta lembrar a frase “há algo de podre no reino da Dinamarca”, retirada da peça mais reproduzida no mundo, Hamlet, de Willian Shakespeare, um dos maiores escritores do nosso tempo.
A verdade é que nem os enredos sheakesperianos sobreviveriam aos dramas encenados pelos representantes da Fiat nas mesas de negociação. E é bom já deixar claro que essa negociação só se arrasta por conta e risco da própria empresa, que sempre se recusou a discutir os itens do ACT com objetividade, chegando, muitas vezes a cancelar reuniões ou travar a mesa de negociação.
Mas a cereja no bolo, dessa novela de péssimo gosto, aconteceu essa semana. Começou com a assembleia (08) na sede do sindicato, quando os trabalhadores da empresa aprovaram a proposta enviada pela mesma, o que, aparentemente, daria um ponto final ao desgaste. Porém, em reunião (10), a FCA se negou a assinar o Acordo Coletivo que ela mesma enviou!
Se o roteiro sheakesperiano fosse aplicado ao ‘caso Fiat’, o alerta que fica é de uma situação de perigo:
Primeiro porque o Sindicato irá entrar na justiça mais uma vez; assim como já estão ajuizados nos órgãos competentes os Acordos de 2016 e 2018; e, como de costume, a empresa irá abrir uma comissão de fábrica para fechar, sem a intermediação da entidade de classe, algum acordo de gaveta.
Segundo porque a empresa contou a seguinte estória aos seus funcionários: caso eles aprovassem o ACT 2019 (proposta patronal), os processos do Sindimovec contra a Fiat automaticamente seriam retirados, como se fosse um ‘combo de retirada de direitos’; o que não passa de um engodo digno de, nesse caso, novela mexicana.
No meio sindical já rolou até uma metáfora sobre essa nova crise gerada pela Fiat, que não quer mais assinar o acordo que ela mesma propôs e que os seus trabalhadores aprovaram:
Imagine que você tem uma dívida com um amigo. Aí ele resolve te processar, pois esse dinheiro é fundamental para sua sobrevivência e da sua família. Você tem uma estrutura global, dinheiro e poder; mas decide que não quer pagar, pois não concorda com a postura combativa desse seu amigo, que não desiste de cobrar na justiça o que é certo.
Então você resolve negociar da seguinte forma: “olha, meu amigo, nós até podemos voltar com nossa amizade, desde que você abra mão do processo e do dinheiro que lhe devo. Veja bem! Não importa se você precisa do dinheiro pra sobreviver, o importante mesmo é sermos amigos!”.
Basicamente o enredo da novela da Fiat é esse: a empresa quer que o Sindimovec abandone a luta pelos direitos dos seus representados, caso contrário eles não negociam, não resolvem as pendências dos Acordos Coletivos de Trabalho de 2016 e 2018; também não respondem na justiça processos sobre insalubridade, nem adicional noturno e muito menos em relação às práticas antissindicais que a mesma promove.
Para a direção do Sindimovec é lamentável a postura da Fiat. Ela não se preocupa com os trabalhadores que ficarão sem receber PLR, por exemplo; além disso, a deslealdade da empresa na mesa de negociação, em se negar a dar continuidade ao Acordo é desesperador e desrespeitoso.
O que resta agora é manter a coerência e não deixar que tudo descambe para uma tragédia; palavra essa que remete ao termo (tragoedia), composta pelos vocábulos “tragos” (bode) e “oidé” (canção), que significa “canção ao bode”. Dizem que na Grécia Antiga o Deus Dionísio sacrificava um bode como oferenda.
Trazendo para esse momento histórico, na última quarta-feira (10) a “Deusa Fiat” também levou o bode para a sala e o sacrificou, frustrando o Sindicato, seus assessores e seus representados, quando, simplesmente, após meses de inércia em apresentar proposta econômica, encerrou as negociações e saiu da mesa; deixando um cheiro de podre do reino da Dinamarca; ou melhor, da Itália.
Histórico
Dentre as diversas proezas antissindicais da Fiat, uma das mais marcantes foi quando a empresa não aceitou o resultado da votação na Assembleia dos Trabalhadores durante negociação coletiva em 2016. O presidente do Sindimovec relembra:
“A empresa simplesmente desconsiderou o resultado da votação dos trabalhadores em assembleia, montando uma comissão de fábrica por conta própria para aprovar o que ela quis. Se existe ato antissindical maior que esse eu não conheço” – Adriano Carlesso
Esse fato até hoje é comentado no movimento sindical local como uma demonstração de “fascismo administrativo”. Padrão esse que acompanha outras plantas da Fiat. Em Betim (MG), por exemplo, onde a planta conta com aproximadamente 16 mil trabalhadores, há apenas 130 filiados, sendo a maioria deles dirigente sindical. Já a situação em Goiana (PE) é ainda mais desesperadora: num universo de aproximadamente seis mil funcionários, há UM dirigente sindical.
Historicamente a política agressiva da Fiat contra sindicatos de trabalhadores está enraizada na Itália. Pode-se dizer que a empresa ainda parece seguir a cartilha fascista de Mussolini, do século passado.
“Tem em seu DNA uma perspectiva um tanto quanto autoritária na gestão com os empregados e na gestão com os sindicatos. É assim em Minas, em Pernambuco e no Paraná, e é assim na Itália” – Sandro Lunard (Assessor Jurídico do Sindimovec)
Para entender melhor como funciona a “agenda Fiat” em relação ao sindicalismo, a empresa “aceita” uma filiação de trabalhadores que chega a no máximo 15% em suas plantas:
“Quando ela começou a operar em Campo Largo, em 2010, se deparou com 60% de filiações e hoje nós temos menos de 20 filiados numa empresa com aproximadamente 450 trabalhadores” – Adriano Carlesso
O Sindimovec acumula inúmeras denúncias contra a empresa. Os relatos de anos de desrespeito vão desde dirigentes sindicais quase atropelados em frente à fábrica durante panfletagem, até impedir trabalhador ligado ao Sindimovec de participar das comissões internas. Barrar sindicalistas na catraca do refeitório e impedi-los de conversar com o trabalhador, mesmo com liminar judicial que garantia acesso. Além de regularmente coagir funcionários, orientando a não participar das festas do sindicato e não se filiar a entidade.
“Sindicato submisso é uma coisa que nunca vai existir aqui. Mesmo que a empresa muitas vezes nos trate como marginais, usando inclusive o estado para nos oprimir, como quando botou a polícia contra nós, isso não nos intimida. Não somos um problema social, somos o escudo legal do trabalhador” – Adriano Carlesso.
Por Regis Luís Cardoso (edição: Sindimovec).