#Engrenagem04: A destruição do escudo legal dos trabalhadores

Durante minha jornada no movimento sindical tenho ouvido muitos questionamentos, até hostis, sobre os motivos pelos quais muitos sindicalistas ingressam na vida política. A discriminação chega a ser maior que o preconceito ao simples fato do cidadão ser um representante sindical. Parece que a crítica vem em dobro. Isso porque, para muitas pessoas em nossa sociedade, o acúmulo destas duas funções representativas é visto como praticar dois crimes ao mesmo tempo.

 

Mas voltando ao questionamento, a resposta parece clara à partir da aprovação da Reforma Trabalhista: falta representantes políticos de trabalhadores e sobram representantes políticos de empresários. Leia aqui: A Hora do Pesadelo: “É uma reforma elaborada por patrões”.

 

Será mesmo justo que os trabalhadores e os sindicatos lutem tanto para garantir que a lei seja aplicada, quando nossos representantes na política (deputados e senadores), que deveriam estar ao lado do povo, entregam nossos direitos de bandeja ao grande capital?

 

Diante destes questionamentos, penso que precisamos compreender melhor o funcionamento do nosso sistema democrático e, com isso, entender, de uma vez por todas, o quanto é importante conhecermos os nossos políticos antes de entregarmos nosso voto a eles!

 

Um dos fatos que me levam a esta conclusão, é a aprovação da Reforma Trabalhista, onde quem perde, e muito, é o trabalhador (veja as principais mudanças aqui), a começar pela oportunidade do ingresso na Justiça do Trabalho, onde as alterações são bem impactantes, principalmente em caso de sucumbência.

 

E o que isso quer dizer? Quer dizer que, com a nova regra, caso um funcionário perca sua ação na justiça, o mesmo terá que efetuar o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte vencedora. Esse é um exemplo claro do enfraquecimento da Justiça do Trabalho. Isso em um país onde o trabalhador, na maioria das vezes, precisa ingressar na justiça porque não recebeu, sequer, as verbas rescisórias!

 

A propósito, pasmem!!! Há dados estatísticos que comprovam que 80% das ações trabalhistas são para cobrança de valores incontroversos, quais sejam as Verbas Rescisórias, descaracterizando totalmente o discurso dos defensores da Reforma no sentido de comparar o número de ações do Brasil com o número de ações em outros países.

 

Nesse tratoraço de mudanças, quem também perdeu foi a mulher trabalhadora. Isso porque a nova lei dará direito ao trabalho insalubre para as gestantes, o que é proibido pela legislação atual. A partir de novembro, a empresa poderá exigir a continuidade do trabalho a mulher grávida, mesmo em local não adequado. Ao que parece, o “laudo médico” poderá ser dado pelas clínicas de medicina do trabalho contratadas pela empresa, que determinarão se a gravidez é de risco ou não, podendo colocar em risco não somente a vida da mulher, mas também a do nascituro!

 

Isso é uma péssima notícia. Quem vive no movimento sindical sabe a quantidade de demissões que acontecem com declarações emitidas por algumas clínicas de medicina do trabalho que consideram aptos muitos trabalhadores que apresentam casos evidentes e comprovados de inaptidão. Quer um exemplo? Conheça o Caso Bruno aqui.  

 

A situação se agrava ainda mais com a retirada da obrigação de se realizar a homologação nos sindicatos, o que deixa o trabalhador ainda mais sozinho no triste momento da rescisão contratual.

 

E o escárnio não acaba! Agora haverá a possibilidade do trabalhador operar uma máquina com uma mão e “engolir” seu almoço com a outra. Isso porque está aprovada a redução do horário para descanso e refeição de 30 minutos. Uma decisão contrária as normas relativas a saúde e a segurança do trabalho que estabelecem tempo não inferior a 1 hora.

 

É fato, a reforma trabalhista tem o objetivo de enfraquecer a Justiça do Trabalho, o trabalhador e os sindicatos. Não foi a toa que o imposto sindical tornou-se facultativo. Outra questão que impacta na balança é a mudança nos critérios de negociação coletiva, impondo limitações e premissas para a atuação sindical.

 

O pior de tudo é que quando você acha que nada pode piorar, vem essa reforma trabalhista e faz ressurgir uma figura que perdeu protagonismo lá no fim da escravidão: o “leão de chácara” ou o “capitão do mato”! Essa figura poderá assumir um papel de falso representante sindical, com estabilidade de dois anos, eleito com a ajuda e coordenação da própria empresa, obviamente sem a participação do sindicato.

 

Curioso, não é? Será que este indivíduo será mesmo o representante dos trabalhadores? Ou será mais um “chefinho”? Talvez a melhor expressão seja “um lobo vestido de ovelha”.

 

O pesadelo continua. A nova regra não leva em consideração as condições do contrato de trabalho garantidas pela Constituição Federal e pela legislação atual: confere garantias ao patrão, com uma coisa chamada “quitação anual de verbas trabalhistas”, acabando com a oportunidade de rediscutir algumas questões na justiça do trabalho; altera as garantias legais relativas à responsabilização dos sócios da empresa, bem como a casos de sucessão empresarial; muda os critérios atuais que tratam da prescrição e da prescrição intercorrente no processo trabalhista; cria novas formas de contrato de trabalho, precarizando a relação entre empregado e patrão, como: trabalho por tempo parcial, teletrabalho e trabalho intermitente.

 

Outra aberração jurídica “pró patrão” se refere às questões de indenização por acidente de trabalho. A base do novo código legal irá tabelar as indenizações na medida do valor do salário do acidentado. Ou seja, de acordo com a reforma trabalhista, quem ganha menos vale menos.

 

É isso mesmo? Parece que o lema “reduzir custos e otimizar lucros” foi levado ao pé da letra pelos empresários que defendem as mudanças na legislação trabalhista.

 

Mas acredito que o mais estranho disso tudo foi a maneira como a mudança na legislação trabalhista ocorreu. Não houve debate com a sociedade. Desde sua apresentação até sua aprovação houve mais de 800 propostas de emendas parlamentares que foram simplesmente ignoradas pelos congressistas. Com isso, assistimos a real destruição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

 

No total, foram alterados 117 artigos da CLT de forma não democrática. Talvez, para aqueles que acham que não se precisa de sindicatos, a nova redação seja excelente. Principalmente os que recebem mais de dois tetos de aposentadoria, que não precisarão da entidade representativa para brigar por seus aumentos! Sim! Na reforma trabalhista, quem receber mais do que esse “piso”, poderá “enfrentar” sozinho o patrão a cada ano!

 

Viram só que “jóia” a nova legislação trabalhista? Parece aquela história bíblica de Davi contra Golias! O problema agora será proporcionar conhecimento estratégico aos “Davis” desse Brasil, pois eles precisam se preparar para o enfrentamento.  

 

Por fim, penso que devemos aprender com o que aconteceu e entender que vivemos uma verdadeira crise de representatividade política. O resultado desse colapso das instituições fez com que poucos, com muito poder econômico, acabassem com importantes direitos de muitos.

 

Será que se houvesse mais políticos sindicalistas a história não seria diferente?

 

A luta continua!

 

 

Por Adriano Carlesso, presidente do Sindimovec. 

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