Capoeira como resistência dentro do Quilombo!


Idelci de Medeiros e Souza Junior, mais conhecido como Chumbinho, esteve no Sindimovec e falou do seu trabalho e militância (*foto: Regis Luís Cardoso)

Dando continuidade as entrevistas do Sindimovec para o projeto #PerfilDosTrabalhadores, conversamos com ‘Chumbinho’, professor de capoeira, ativista social e responsável por manter viva a matriz africana dentro do Quilombo Palmital dos Pretos, em Campo Largo

O Quilombo Palmital dos Pretos existe desde 1850, está a 60 km de Campo Largo, Região Metropolitana de Curitiba, e conta com aproximadamente 70 moradores. Porém, em pleno 2018, dar aula de capoeira é sinônimo de resistência por lá. “Capoeira é tudo pra mim. Eu vivo da capoeira. O que eu tenho é graças a ela. Eu levanto e vou dormir vivendo dela”, diz Idelci de Medeiros e Souza Junior, mais conhecido como Chumbinho. Natural de Curitiba, chegou a Três Córregos depois que sua avó comprou uma xácara no distrito, em 2005. Desde então ele percorre 20 km, distância da sua casa até a comunidade, para levar sua capoeira contemporânea, como define.

O trabalho de Idelci pode ser visto como um resgate as origens, pois levar capoeira ao Quilombo Palmital dos Pretos é sinônimo de resistência cultural. Essa expressão afro-brasileira que une luta, dança e música, surgida no fim do século XVI, no Quilombo dos Palmares, na então Capitania de Pernambuco, se mantém viva graças ao professor:

É complicado fazer essa recuperação. O Quilombo está lá no canto dele, aí quando você chega apresentando a cultura afro para as pessoas, elas não aceitam de imediato. E é aí que você vê como a história muda, porque, na verdade, era pra eu ir ao Palmital dos Pretos aprender capoeira e eu estou indo ensinar” – Chumbinho.

Essa questão identitária é delicada. Principalmente porque, antes de tudo, é preciso respeitar as mudanças culturais que a região do Palmital dos Pretos sofreu com o passar dos anos (LEIA MATÉRIA: Um olhar mais aprofundado sobre o Quilombo Palmital dos Pretos – primeira entrevista sobre a região).

Uma certeza é que os ventos, assim como a capoeira, mudam de direção.  Também pode aplicar golpes inesperados e complexos; como uma rasteira ou uma acrobacia aérea; e no Quilombo Palmital dos Pretos, com o passar dos anos, os novos sopros culturais distanciaram a comunidade das matrizes africanas.

Porém, essa arte afro-brasileira tem traços que ninguém consegue apagar. Como a sua musicalidade, a sua dança e seu canto; que ecoam as raízes quilombolas.

Hoje fazemos um trabalho que Zumbi fez. Vou lutando dentro do quilombo, porque muitos que estudaram comigo já se perderam para as drogas” – Chumbinho.

O ‘faça você mesmo’ e o descaso

De acordo com Chumbinho, é preciso respeitar a situação do Quilombo Palmital dos Pretos. Principalmente porque há todo um contexto de problemas sociais na região. Além disso, existem outros obstáculos, como a questão logística: para Idelci dar aulas, ele precisa percorrer 20 km até a comunidade, sempre por conta própria:

É complicado pra caramba. Vamos lá dar aula, promover algum evento, conversar com eles, mas é difícil chegar e a gente não tem ajuda de lado algum. Temos que ir por conta. A vida toda foi assim. Só que as drogas estão dominando. Então estamos perdendo espaço, seja na cultura ou na religião” – Chumbinho.

Idelci conta que sua relação com todos lá é muito boa. Está na comunidade com frequência desde 2005. Também revela uma situação preocupante:

Pais já chegaram pra mim e falaram:cara, pelo amor de deus, você não pode parar, não podemos ficar sem as aulas”. Aí eu respondo que não estou mais conseguindo chegar. Antes eu tinha um recurso que me ajudava e hoje não tenho mais” – Chumbinho.

O ‘recurso’, que ele se refere, vinha das aulas nas escolas rurais da região; nesse o período o professor podia financiar suas idas a região:

Participam com mais frequência das minhas aulas a terceira idade e as crianças. Mas, no geral, a maioria acaba entrando na roda. Os mais velhos me veem com 14 anos, então ainda sou aquela criança. Sempre vou lá com minha esposa e filhos. Vamos às casas deles. Eles gostam muito de mim” – Chumbinho.

Idelci também faz uma denúncia:

“Três Córregos historicamente viveu da extração das pedras e minerais, mas, hoje, se você for em direção ao Quilombo, da vontade de chorar! Agora não existe mais toda aquela riqueza! Hoje é só eucalipto e pinos. E tem uma coisa que o pessoal tem medo de falar. Por exemplo: chega uma empresa de madeira que começa a operar na região, aí eles querem comprar um terreno de algum morador, mas a pessoa não quer vender, e o que acontece? Eles começam a ir num barzinho lá da região, mandam toda peãozada que trabalha pra eles ir ali, aí eles começam a arrumar confusão e praticamente te tocam do lugar” – Chumbinho.

Da Tocha Olímpica ao voluntariado

O professor de capoeira explica que desde 2005, quando chegou à região, aos 14 anos, sempre ajudou na comunidade:

Se tinha a construção de um poço artesiano, por exemplo, eu tava lá querendo saber como faz pra ajudar. Com a educação é a mesma coisa. Eu me formei na escola do interior, então, tendo filhos, procuro participar da educação no campo” – Chumbinho.


Material enviado por Chumbinho: “Essa é a foto que concorreu como cartão postal da passagem da tocha olímpica, em Campo Largo”

Perguntado sobre “como ‘apareceu’ em Campo Largo?” o professor revela que foi em 2016, no período dos Jogos Olímpicos no Brasil. Naquela época a Tocha Olímpica iria passar por Campo Largo e ele foi convidado pra fazer uma apresentação de capoeira em frente à Igreja Matriz. A foto da apresentação concorreu como cartão postal da passagem da Tocha.  

Depois disso, Idelci passou a fazer parte de vários projetos, como a parceria com o Leandro Aguiar, também conhecido como “Magú do Batuque”, onde eles unem, uma vez por mês, capoeira e batucada, em frente à Igreja Matriz de Campo Largo. O objetivo é atender as pessoas do interior que muitas vezes não conseguem ensaiar devido à logística!

Atualmente ele da aula no bairro Águas Claras e faz parte do Projeto Corrente do Bem, ambos como voluntário. Além de representar a Academia de Capoeira “Praia de Salvador” em Campo Largo.

Depois que me descobriram e me trouxeram pra cidade, abriu uma janela. Aquela foi a melhor época, porque eu, através de uma licitação na prefeitura, consegui dar aula nas quatro escolas do campo, mas quando mudou a política… “tchau”” – Chumbinho.

Já em relação ao Quilombo, ele explica que existem boas ideias que são levadas pra lá, mas sugere que essas atividades tenham um caráter mais voltado a capacitação profissional:

É preciso oferecer aos moradores de lá cursos permanentes de capacitação, para que essa pessoa consiga ganhar o dinheiro dela. Além disso, quando você vai colocar um programa social lá, tudo é voluntário e ninguém consegue sobre viver sendo voluntário; ainda mais lá, onde uma comunidade é distante da outra” – Chumbinho.  

Alerta, resistência e matriz africana

Um alerta que o professor faz é sobre as drogas. Explica que as pessoas não gostam de falar sobre isso, mas sabem que é algo presente. Acredita que sua participação precisa ir além da capoeira. Hoje ele também é um dos responsáveis pelo Natal Solidário, que arrecada brinquedos para as crianças da região (veja AQUI a entrega dos brinquedos de 2018).

“A gente abraçou a causa do brinquedo de natal. Temos o desafio de um dia conseguir dar presente pra todo mundo, desde o começo da estrada de chão até lá na divisa com Ponta Grossa”Chumbinho.

Hoje com 32 anos, explica que gosta de morar na região:

Capoeira no Quilombo. Foto fornecido por Chumbinho

Me considero quilombola. Tento carregar essa identidade e propagar essa cultura. Luto por todos. O meu partido é querer ajudar e mostrar um pouco do que eu sou para os outros. Igual falar aqui pra vocês. E hoje eu consigo levar mais a ideia e as questões da matriz africana e da religião. Eu sou umbandista, mas nem em Três Córregos e nem no Quilombo tem terreiro” – Chumbinho.

Por isso Idelci acredita que há necessidade de aumentar a representatividade da cultura afro na região. Em 2016 ele foi suplente no Conselho Étnico Racial da cidade e depois conseguiu uma cadeira no COMPER (Conselho Municipal de Políticas Étnico Racial) de Campo Largo.

No começo eu nem sabia o que era tudo isso. Depois fui eleito para uma cadeira na pasta Cultura Afro. O problema para eu participar dessas reuniões é a logística. É cansativo vir numa reunião, lá de Três Córregos, para ouvir, muitas vezes, as pessoas brigarem sempre pelas mesmas coisas. Há muito interesse em promover a cultura europeia, como se só houvesse europeu em Campo Largo. Então, muitas vezes, é complicado colocar a nossa matriz cultural numa sociedade que não nos valoriza”Chumbinho.

Por Regis Luís Cardoso. 

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