Caminhoneiros: uma greve que paralisa geral
A greve dos caminhoneiros mexe com a estrutura do país. Por isso, é obrigação ouvir o que os trabalhadores das boleias têm a dizer. Em Campo Largo, a paralisação na BR277 reúne aproximadamente mil grevistas de todo o país
A ‘motoristada’ não está pra brincadeira. A greve é séria e quando os caminhoneiros são questionados sobre a pessoa que está na boleia do Brasil, não tem arrego: “o que ‘fodeu’ foi esse Michel Temer”, disse Joel Antônio, caminhoneiro, que está faz 37 anos na estrada e é morador de Campo Largo. Ele, ao lado de Marcos Roberto (25 anos de boleia), também campolarguense, participa, desde o dia 21 de maio, da greve dos caminhoneiros à margem da BR277, no Posto Quinta, sentido Ponta Grossa. Ambos são trabalhadores autônomos.
Apesar do anúncio do presidente Michel Temer (25) de que irá acionar forças federais de segurança para desbloquear as estradas brasileiras, os trabalhadores autônomos não deram sinais de que irão terminar a greve. Eles também não se sentiram representados pelas bancadas que propuseram um acordo com o governo federal. O movimento dos caminhoneiros é amplo, com diversas vertentes, que se diferenciam em diversas regiões do país. Cada paralisação tem sua peculiaridade e, em Campo Largo, onde aproximadamente mil caminhões estão parados no pátio do Posto Quinta, na região metropolitana de Curitiba, a greve continua.
E para entender o que pensa uma parcela desse movimento, que é assunto do momento no Brasil, ouvimos dois trabalhadores. Lembrem-se, vivemos num país predominantemente rodoviário e, segundo os próprios caminhoneiros, há um péssimo tratamento para com a ‘motoristada’ (termo usado pelo camarada Joel Antônio):
“O motorista de caminhão é tão desvalorizado que chega a dar nojo. Muitas vezes, chegamos numa empresa, entregamos a nota fiscal para o cara lá que nos atende, aí ele olha e diz: “aguarda no pátio”. Nem pergunta o nome… nada. Ficamos esperando três, quatro horas. Depois ele te chama igual um cachorro (faz com a boca uma espécie de assobio), pra dizer que vai descarregar só no outro dia”
– Marcos Roberto
“Também não querem saber se onde você está é perigoso, se tem ladrão… não querem saber de nada”
– Joel Antônio
Só para se ter uma ideia da importância da categoria no país, de acordo com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), 90% dos passageiros e 60% das cargas que se deslocam em território nacional são movimentadas em rodovias. Atualmente a greve dos caminhoneiros bloqueou pontos estratégicos, como saída de refinarias da Petrobrás e a entrada do porto de Santos (SP) e Paranaguá (PR).
2018: A atual greve dos caminhoneiros começou através de conversas via Whatsapp e Facebook. Incialmente entre os autônomos. “Tudo isso porque não tem mais condições de trabalhar. Se você sai pra viajar, é capaz de passar fome na estrada. Deixamos todo nosso dinheiro no pedágio e nos postos. Então começamos a movimentar nosso grupo e os empresários começaram a aparecer depois”, explica Marcos Roberto.
Segundo os caminhoneiros, o movimento não tem ‘um cabeça’. Joel revela que mesmo assim, lá no Posto Quinta, há empresários do transporte, também da cidade de Campo Largo, assim como entidades de classe e sindicatos que ajudam com comida e roupa de frio.
Diante da grandeza do movimento e da pluralidade de ideias que existe entre os caminhoneiros, nada melhor que ouvir quem adquiriu experiência ao longo das curvas e retas das rodovias brasileiras. “Hoje nosso trabalho tá defasado pelo seguinte: trabalhamos 50% pra pagar pedágio e 50% pra pagar empresário. Hoje eu não consigo tirar 2 mil reais por mês”, explica Marcos Roberto.
Política: Entre os caminhoneiros que participaram dessa conversa, na tarde do dia 24 de maio, é unanimidade dizer que o trabalho autônomo está inviável. De acordo com Marcos e Joel, para ir de Campo Largo até o estado do Acre, por exemplo, se gasta R$ 14 mil com óleo diesel.
Marcos explica que no tempo do FHC já era complicado, havia variação do preço semelhante ao que acontece hoje. “Quando entrou a Dilma, ela deu uma segurada. Eu não sou PT, não sou nada, mas ela deu uma segurada no preço”, disse Marcos. Já Joel foi além:
“O Lula até que levou um pouco pra frente. Antes dele entrar na cadeira, lá em Brasília, porque eu conheço até onde os ratos moram lá na capital, ele pegou o troço bagunçado. ‘Tava’ quinze conto o pacote de arroz, dali a pouco tempo foi pra 10, depois pra 8, então caiu. E outra, ninguém tinha luz. Aí ele mandou luz tanto pra cá quanto pro nordeste. Ele fez um pouco”
– Joel Antônio
Apesar de desviar um pouco o assunto, as coisas se interligam. Só quem está no dia a dia nas estradas sabe o valor real desse trabalho e o impacto econômico que causa a queda no poder de compra de itens básicos como o arroz.
É como diria o pedagogo Paulo Freire, sobre o conhecimento popular: “há somente uma relativização do saber ou da ignorância”. Ou seja, pode faltar um saber sistematizado, mas estão longe de ser ignorantes.
Por isso, ambos os caminhoneiros relatam que já ficaram sem dinheiro no meio de uma viagem e tiveram que recorrer aos familiares e amigos. “Hoje é o pior momento”, enfatiza Marcos. “Não tem mais como. Esses dias eu fui pra Belém (Pará), lá está R$4,50 o litro de óleo diesel. Não tem como!”, completa Joel Antônio.
Quando questionados se há esperança na classe política…
“Da minha parte eu só não rasguei meu título porque é um documento que precisa”
– Marcos Roberto
Pauta: Marcos explica que a luta é pra “baixar o preço do diesel na bomba pra R$ 2,50. Se não ceder nós não vamos mais trabalhar”. “É de chorar. Eles querem arrancar até as cuecas do motorista”, reclama Joel.
Além de toda questão econômica e política, os trabalhadores ainda se deparam com ameaças de que o exército vai acabar com a greve. Para os caminhoneiros essa repressão não é justa, até porque, pelo menos em Campo Largo, “não estamos barrando ninguém. Aqui passa remédio, ambulância e carga viva”, completa Joel.
2016: Outra coisa: de acordo com os caminhoneiros, há diferenças entre essa greve e a paralisação de 2016. “Não são iguais. Naquela nós perdermos força no segundo dia e tinha muito empresário”, disse Marcos. “Foi mal feita. A ‘motoristada’ jogava o caminhão na pista e não deixava ninguém passar. Tem que ser igual agora”, finaliza Joel.
Por Regis Luís Cardoso.