Assim é (se lhe parece)

Crédito Foto: TIAGO QUEIROZ

Para quem gosta de notícia boa, a economia irá crescer em 2018. Já para quem prefere notícias realistas, o quadro está longe de se mostrar animador. Um excelente mirante para observar a realidade da economia é a situação do mercado de trabalho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, PnadC, apurada pelo IBGE, permite observar o quadro brasileiro com grande acurácia. No que se segue, é feito um balanço dos três anos completados no terceiro trimestre de 2017, última divulgação realizada, tomando como base igual período de 2014, que corresponde exatamente ao momento em que o mergulho recessivo da economia brasileira teve início. Vai-se utilizar como unidade de medida o número de pessoas ocupadas e desocupadas, medida essa que, diga-se de passagem, é muito mais simples e especialmente muito mais clara para os objetivos aqui buscados do que as variações percentuais que, muitas vezes, mais confundem do que ajudam a ilustrar o movimento que se quer examinar.

O primeiro bloco de informações refere-se ao fluxo de entradas e saídas ocorridas no mercado de trabalho brasileiro no período. Entre os terceiros trimestres de 2014 e 2017 o número de pessoas em idade de trabalhar no Brasil expandiu-se em 6,3 milhões. Desse contingente, cerca de 1 milhão de pessoas não se revelaram disponíveis para o trabalho. Assim, a força de trabalho sofreu um acréscimo de 5,3 milhões, pulando de 99 milhões para 104,3 milhões de pessoas. Desses potenciais trabalhadores, 91,3 milhões estavam ocupados no terceiro trimestre de 2017 ante 92,3 milhões três anos antes, indicando que houve uma contração de 972 mil postos de trabalho no período. Complementarmente, os desocupados que eram 6,7 milhões em 2014 tornaram-se 13 milhões no terceiro trimestre de 2017, um salto de 6,3 milhões de pessoas.

Conclusão: simplesmente, é como se nesses três anos todos os brasileiros que chegaram à idade de trabalhar não tivessem encontrado ocupação ou que todos os que perderam o emprego tenham ido para o desalento e todos os que se incorporaram à força de trabalho tenham permanecido desempregados. Não parece ter existido na história econômica brasileira contemporânea um triênio com desempenho do mercado de trabalho tão alarmante.

O segundo bloco de informações registra o ramo de atividade em que as ocupações são exercidas. A maior eliminação de empregos ocorreu na Indústria com redução líquida de 1,6 milhão de ocupações, seguida de Agropecuária (-1 milhão), Construção (-741 mil) e Serviços de informação, comunicação, financeiros e afins (-622 mil), perfazendo quase quatro milhões de postos de trabalho. Do outro lado, Alojamento e Alimentação (1 milhão); Administração pública, educação, saúde, serviços sociais e afins (659 mil); Transporte, armazenagem (477 mil) além de Comércio; Serviços domésticos e Outros serviços, todos eles na casa dos 200 mil empregos, geraram, em conjunto, um total de cerca de 3 milhões de ocupações.

Esse quadro por si tão negativo, fica ainda pior quando se incorpora um terceiro bloco de informações considerando o que se chama posição na ocupação. Essa categoria especifica se o posto de trabalho é no setor privado com ou sem carteira assinada, no setor público, doméstico, conta-própria ou empregador. No período enfocado, verificou-se a eliminação de 3,4 milhões de empregos com carteira assinada. Por sua vez, o principal gerador de ocupações foi o segmento de conta-própria, com acréscimo de 1,4 milhão de postos, seguido de 655 mil empregos sem carteira, 487 mil ocupações como empregador e 198 mil como trabalhador doméstico. Por fim, houve eliminação de 69 mil ocupações no setor público. Desnecessário enfatizar as implicações sobre a qualidade do emprego subjacentes às essas mudanças ocorridas na estrutura das ocupações.

Em suma, a geração de empregos não foi capaz de incorporar sequer uma pequena fração da oferta nova que chegou ao mercado de trabalho, os que permaneceram ocupados enfrentaram uma significativa piora na qualidade das suas ocupações, mais concentradas em vínculos informais ou por conta própria e uma parcela importante do emprego migrou para atividades de menor produtividade, com menor capacidade de gerar valor e, portanto, de prover remunerações mais elevadas. A análise da evolução dos rendimentos médios e da massa de rendimentos pagos, também captados na PnadC, atesta essa afirmação.

A concentração da geração de empregos em posições informais ou conta-própria (cerca de ¾ dos empregos gerados no terceiro trimestre de 2017 foram originados por esses segmentos) não pode ser imputada exclusivamente ao ciclo, constituindo uma evidência cabal dos efeitos da ausência de políticas de defesa do emprego que deveriam ter sido priorizadas quando da reversão da economia.

É evidente que, na medida em que o tempo passa, mais do que necessárias, políticas de emprego estão se fazendo urgentes. Quanto mais longe for o atual processo de desestruturação do mercado de trabalho, mais difícil será reconstituir as condições macroeconômicas requeridas para um novo ciclo sustentado de expansão da economia. No entanto, a formulação da política econômica no Brasil não parece enxergar esses temas estruturais, tratando o crescimento econômico como um fim em si. Enquanto vive-se no mundo o debate sobre o desemprego tecnológico associado ao novo paradigma digital, no Brasil, o exterminador de empregos é a miopia da política econômica.

 

Por David Kupfer (via Valor Econômico – segunda-feira, 15/01/2018) – diretor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Escreve mensalmente para o Valor Econômico nas segundas-feiras.

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