#Perfil: “As mulheres de Campo Largo ainda estão desamparadas e desprotegidas”

Ávila esteve no Sindimovec e conversou sobre o universo feminino em Campo Largo (Crédito: Regis Luís Cardoso)

 Ávila Maria Garrett é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campos Largo e membro do Conselho Estadual da Saúde. Nesta conversa com o Sindimovec ela mostrou a dificuldade que é ser militante por igualdade de gênero na cidade

 Natural de Balsa Nova, Ávila Maria Garrett Savi de Andrade partiu para uma cidade maior, a vizinha Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, por decisão do pai. O objetivo da mudança foi ter a oportunidade de estudar:

“Eu gosto muito de política, sempre participo das sessões da Câmara, coisa que eu aprendi com meu pai. Sempre digo: meu pai me ensinou a ser feminista. Ele dizia: “isso você não vai fazer, isso você tem que fazer”. Eu achava que iriam me julgar ele me encorajava a fazer. Ele sempre me incentivou a estudar e trabalhar”

– Ávila Maria Garrett

De professora no ensino fundamental a funcionária pública aposentada, Ávila define-se como militante feminista desde 2010. Mas já em 2000, através da Pastoral da Criança, conheceu a realidade das gestantes nas famílias mais pobres de Campo Largo. Atualmente preside o Conselho da Mulher, criado em 2015. Também é Coordenadora da Paróquia Santuário Bom Jesus, onde está a Pastoral. Além disso, faz parte do Conselho Estadual na Comissão da Saúde da Mulher e é Relatora da pasta “Saúde Mental”.

Sempre voltou seu olhar para o universo feminino. Nos seus trabalhos de conclusão de curso (TCC), na faculdade e pós-graduação, escreveu sobre “As políticas públicas voltadas para a mulher” e a “Participação da Mulher nos Sindicatos”. E neste Outubro Rosa, ela revela: “eu tive câncer da mama. Indico que a mulher faça os exames. Nada de esperar e ficar só fazendo o autoexame”.

Seu diagnóstico foi há sete anos. Ela define o momento como um difícil divisor de águas na sua vida, onde passou a dar mais atenção para a saúde da mulher. Além disso…

“Tive uma amiga que morreu. Os exames dela foram tardios. Quando descobriu o câncer, já estava em metástase e ela veio a falecer”

– Ávila Maria Garrett

Ela lembra que a campanha de conscientização para o Outubro Rosa de 2017, em Campo Largo, é feita em parceria com a prefeitura, já que o Conselho da Mulher não tem verba própria.

Feminismo

 Ao ser questionada sobre “o que é feminismo?”, define:

“Acho que é a luta por igualdade. É você realmente querer igualdade. A mulher ter o direito de trabalhar onde quiser. Estar onde quiser. Ir à reunião que quiser. Com a roupa que quiser. Porque atualmente quando acontece uma violência contra a mulher, tem gente que ainda a culpa. Como se a culpa fosse da vítima”

Ávila Maria Garrett

E Campo Largo, será que é uma cidade violenta contra a mulher? Ela explica:

“Sim. Em todos os sentidos. Até por parte das autoridades. Quando eu vou atender as nossas meninas, através da Pastoral da Criança, realmente encontramos as excluídas da sociedade. É ali que você sente o quanto elas sofrem”

Ávila Maria Garrett

 Para Ávila, uma das principais demandas em Campo Largo, além da violência, é a questão da saúde da mulher. Ela acredita que a gestante deve ser comunicada no segundo trimestre onde ganhará seu bebê. O procedimento atual faz com que a mulher passe primeiramente num Pronto Socorro para depois ser encaminhada a um hospital: “muitas vezes a mulher ganha bebê no próprio pronto socorro, devido à demora. Considero esse processo uma violência “velada””.

As mulheres de Campo Largo ainda estão desamparadas e desprotegidas. Há problemas educacionais. Quando eu chego numa mãe que tem 10 filhos, por exemplo, questiono a razão pra ela não se cuidar, aí se ouve relatos do tipo: “meu marido não deixa eu tomar anticoncepcional”, “ele vai me matar”, coisas assim acontecem””. 

– Ávila Maria Garrett

Para entender a dificuldade de militar pela igualdade de gênero, imagine você, durante uma explicação sobre algo que mexe com a vida das mulheres, ouvir isso:

“Às vezes você está numa reunião e fala sobre a Lei Maria da Penha, sempre tem gente que ironiza: “porque não tem a “Lei José do Penho?” ou “Lei Mário do Penho?”. Essas brincadeiras bem pejorativas são comuns”

– Ávila Maria Garrett

Violência

“Já teve caso de mulher que chegou à delegacia, no atendimento, e o policial falou assim: “você aqui de novo?””

– Ávila Maria Garrett

Ávila explica que nesse universo machista, muitas vezes, o homem precisa passar por situações em que sinta o problema na pele. Ela conta uma história de um amigo que foi renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), em Campo Largo. Para quem não conhece, o local em que é feita a renovação da CNH fica ao lado da delegacia.

O amigo dela acabou errando a porta e foi parar na delegacia. Ele presenciou a seguinte cena:

“Meu amigo viu um cara e uma mulher. Ele dizendo pra polícia: “a minha irmã foi violentada”. Aí o policial disse: “mas você tem certeza? Porque se for mentira, você vai pagar, vai receber um processo contra você”. Ao presenciar aquilo, meu amigo me ligou e disse: “Ávila, eu estou aqui na delegacia. Só agora eu estou entendendo. Eu vi a mulher sendo violentada pela segunda vez, na minha frente.  Eu tive que esperar acontecer algo na minha frente pra entender”

– Ávila Maria Garrett

A presidente do Conselho da Mulher de Campo Largo explica que algumas situações podem mudar a cabeça de uma pessoa. Como foi o caso do seu amigo, que viu e sentiu como é a violência contra a mulher. Casos como esse não são isolados: “tem história de pessoas que chegam à polícia e, logo no primeiro atendimento, são desencorajadas a continuar. Passam vergonha”.

Em Campo Largo não existe uma delegacia da mulher. “Estamos na luta para que a prefeitura viabilize um espaço. Está pra sair junto à Guarda Municipal, mas não está nada definido ainda”, completa Ávila.

Outro problema é a “onda conservadora”:

“Há muito ódio. Às vezes alguém coloca algo de ódio na rede social e o outro vai lá e faz na prática. Me preocupa essa questão, teve político que chegou a dizer: “você não merece nem ser estuprada””

– Ávila Maria Garrett

 Nas redes sociais, o território é mais hostil: “às vezes me chamam de ‘feminazi’; e são mulheres que falam isso!”, critica. Mas há outro fator que causa mais revolta em Ávila: o simples fato da Lei não ser cumprida.

“Por exemplo: se eu vou procurar a polícia, eu tenho direito de ser ouvida e depois quem vai julgar isso é o juiz. Não alguém que me recepciona na delegacia e vem dizer o que é ou o que não é a Lei. Queremos a aplicação da Leia Maria da Penha

– Ávila Maria Garrett

Avanços

Mesmo com tanta dificuldade, há avanços em Campo Largo. Um exemplo é o atendimento às famílias mais carentes, mais vulneráveis, que vem sendo feito pela Pastoral. Essas atividades são permanentes. Também, uma vez por mês, as mães que procuram ajuda recebem alguns brinquedos, assim como acompanhamento nutricional, onde, a cada três meses, as crianças são pesadas e recebem um relatório explicativo sobre sua saúde.

Outro trabalho importante, que está começando, é a emissão de relatórios com estatísticas relativas ao atendimento às mulheres campolarguenses. “Hoje as informações são desencontradas. Nós do Conselho temos uns dados e a Secretaria tem outros números. Agora, através dos relatórios da promotoria, teremos uma ficha que estará em todos os lugares, com números oficiais”, explica Ávila.

“O canal de comunicação com a promotoria é um avanço. Está nos ajudando bastante na questão jurídica. Montamos também uma rede de proteção via WhatsApp. É um grupo de mulheres que está fazendo denúncia. Estamos montando uma rede de proteção da mulher”

– Ávila Maria Garrett

 E mesmo fazendo a diferença em Campo Largo, Ávila não está contente:

“Sinto-me frustrada. Acho que as coisas não avançam como a gente quer. Queria ter a delegacia da mulher, um centro de repouso ligado à área da saúde, ter uma central informatizada para que os casos de violência sejam repassados para uma rede de contatos, coisas assim não existem!”

– Ávila Maria Garrett

 Diante de tantos desafios, ela deixa claro que o maior de todos é combater a desinformação. “Primeiro a mulher de Campo Largo precisa saber que o Conselho existe. Ver que pode procurar os nossos contatos”, explica (*Você pode acessar a página do Conselho no Facebook aqui).

Saúde da mulher

O Outubro Rosa surgiu em 1997, nos EUA, com objetivo de conscientizar as mulheres sobre o Câncer de Mama e sua identificação precoce. Neste mês (dia 11) há também o Dia Internacional das Meninas, celebrado pelas Nações Unidas desde 2012, que apoia a luta por direitos das mulheres adolescentes e reconhece a necessidade de se ampliar estratégias para eliminar as desigualdades de gênero em todo o mundo.

A luta das mulheres é ligada a igualdade de gênero, violência e saúde. No Outubro Rosa, as campanhas surgem aos montes para lembrar que o Câncer de Mama é o segundo tipo de câncer mais comum nas mulheres, atrás do câncer de pele. Em 2016, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), 14 mil mulheres morreram vítimas do câncer de mama.

Outro gargalo social relativo à igualdade de gênero está no mercado de trabalho. Na área metalúrgica, por exemplo, de acordo com dados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho (estudo comparativo para os anos entre 2006 e 2015), os níveis de emprego e salário das trabalhadoras metalúrgicas revela que ao persistir os atuais mecanismos de remuneração de homens e mulheres na categoria, a igualdade salarial só vai acontecer em 2091, ou seja, daqui a 74 anos!

O fato é que o feminismo precisa ser debatido de forma permanente no Brasil, país em que o aborto é proibido, mas que, de acordo com pesquisa IBOPE encomendada pelo Instituto Bioético da Universidade de Brasília (2016), uma em cada cinco mulheres, até os 40 anos, já o fez pelo menos uma vez.

Outro dado impactante, agora relativo à violência contra a mulher (pesquisa anual do DataFolha – 2016), revela que uma em cada três mulheres já sofreu algum tipo de violência:

Especificamente relativo a agressões físicas: 503 mulheres são vítimas a cada hora; 22% das mulheres brasileiras já sofreram ofensa verbal (aproximadamente 12 milhões); 10% das mulheres sofreram ameaça com faca ou arma de foto; 8% sofreram ofensa sexual; e ainda 3% ou quase um milhão e meio de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento; e 1% levou pelo menos um tiro (Fonte: DataFolha).

Esperança


“As jovens de Campo Largo estão vindo com força. Estão se empoderando. No coletivo. São jovens que se unem pra denunciar, divulgar entre nós mulheres, muitas vezes solucionar alguma coisa, ajudar de alguma forma, quando há algum problema de violência ou algo do tipo”

– Ávila Maria Garrett

No final da conversa, Ávila demonstrou esperança ao falar da nova geração de Campo Largo, mas deixou claro que o debate é de toda a sociedade. Para ela, é necessário que as discussões sobre igualdade de gênero ultrapassem o universo feminino. “As pessoas precisam tratar umas as outras da forma como gostariam de ser tratadas. É questão de você ter empatia pelo outro”, finaliza Ávila Maria Garrett.

 

*Você pode acessar a página do Conselho no Facebook aqui.

 

Por Regis Luís Cardoso (texto e fotos).

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