ARTIGO: A Medida Provisória 873/19 e as relações de trabalho no Brasil
Enquanto o Brasil aquecia os tamborins para o carnaval, o governo federal publicou medida provisória, numa edição noturna do DOU, no último dia 1º de março, alterando dispositivos da CLT (trabalhadores privados) e RJU (servidores públicos) o que, na prática, significa a subordinação de qualquer desconto decorrente de contribuições sindicais destinadas ao sindicato profissional, desde que, sempre, precedido de autorização prévia, expressa, individual, voluntária e por escrito do empregado associado, e somente operacionalizável mediante a emissão de boleto bancário.
Mesmo em tempos de valorização do negociado frente ao legislado, ainda assim, o conteúdo da MP (no restrito período de sua vigência!) desautoriza e interdita a possibilidade do financiamento sindical via desconto em folha, ainda que tal condição esteja respaldada por decisão assemblear ou fixada nas convenções coletivas, ou seja, atinge mortalmente o princípio da autonomia privada coletiva.
Cabe registro de que a medida provisória trata de forma atécnica e genérica todas as fontes de financiamento (contribuição sindical, contribuição confederativa, contribuição assistencial/negocial e a mensalidade sindical) denominando-as, indistintamente, de contribuição sindical, com isso, promove indevida confusão na opinião pública e cria dificuldades sazonais aos sindicatos (lembrando que a MP é precária e tem efeitos jurídicos limitados), coincidentemente, editada em tempos de mobilização e debate sobre o conteúdo e alcance da reforma previdenciária.
Do ponto de vista jurídico, a medida é inoportuna, pois não reúne, ao menos nesse momento, os requisitos de urgência e relevância (art. 62 da CF), saliente-se que existem projetos na Câmara e no Senado tratando da questão do financiamento sindical.
A esse argumento soma-se o fato de que a reforma trabalhista tem menos de dois anos, e já havia regulado a matéria do custeio sindical, além disso, o texto padece de insuperável e patente inconstitucionalidade (art. 8o incs. I a IV) e de flagrantes violações das convenções da OIT (C. 95, 144, 98, 151 e 154) seja quanto ao mérito como também na forma.
Do ponto de vista político, o governo promove indevida intervenção nos sindicatos, com odiosa interferência no sistema de negociações coletivas, ferindo o princípio de liberdade e autonomia sindical, além disso, atropelou o indispensável diálogo social tripartite, e o pior, agravado pelo fato de que sequer foi instalada a Comissão Nacional do Trabalho no âmbito do Ministério da Economia, “locus” institucional adequado para o debate dessa questão.
Enfim, a MP tem conteúdo materialmente interventivo, politicamente autoritário e, por consequência possui traços nitidamente antissindicais.
Ademais, violenta valores democráticos e de paridade de armas entre os interlocutores sociais do mundo do trabalho, lembre-se, de que o estado brasileiro que garante o financiamento de parcela significativa do sindicalismo patronal com recursos do “sistema S”, com isso, naturalmente aumentando o fosso e a assimetria entre os poderes sindicais patronal e laboral.
Mantida a moldagem pretendia na MP, o sistema de relações do trabalho estará envolvido num gravíssimo retrocesso social, acarretando incerteza jurídica e desaconselhável acirramento de interesses sociais e políticos.
Em tempo: A Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB FEDERAL, mediante parecer fundamentado, aponta para diversas inconstitucionalidades no texto da MP, orientando a direção nacional da OAB para que maneje ADIN perante o STF.
*Sandro Lunard – Doutor em Direito, vice-presidente do Instituto Edésio Passos e professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná (UFPR).