A viagem de Leandro
De trabalhador da Caterpillar, em Campo Largo, para o Projac (Globo), a Hollywood brasileira, no Rio de Janeiro, Leandro Miguel Schepiura já passou poucas e boas tentando ser feliz. Hoje, novamente na capital da louça, ele faz uma imersão no mundo da agroecologia, sem deixar de ser um artista
Viajar! Para alguns é uma necessidade. Outros uma fuga. Pode ser um descarrego. Uma busca por se desconectar. Ou o oposto: uma busca por se conectar. Pode ser uma imersão ao incerto, ao esquecimento. Tem também aquela coisa da adrenalina. E não se pode esquecer que é uma forma de liberdade.
Agora pegue tudo que foi escrito no parágrafo anterior e coloque num liquidificador. O que sair dali é a essência de Leandro Miguel Schepiura, campolarguense, de 27 anos, e que é o personagem de mais um #PefilDosTrabalhadores, um projeto realizado pelo Sindimovec e que busca dar voz aos mais diferentes agentes transformadores da sociedade.
Essa história começa assim:
Na adolescência, Leandro se apaixona por moto e consequentemente por motocross, que o leva a pegar gosto por mecânica. O jovem aprendiz então foi estudar no SESI, onde tinha o curso técnico de Mecânica Automobilística, que era o mais próximo daquilo que ele gostava na época. Persistente, terminou o curso técnico e foi coerente ao escolher a faculdade de Engenharia Mecânica.
Para sua surpresa, não gostou do curso. Após seis meses passou a estudar Gestão Industrial, que era mais focado na indústria automobilística. Leandro explica que nesse momento tudo caminhava bem. Estudava o que gostava e, o melhor de tudo, quando estava no último ano da faculdade soube que a Caterpillar (CAT) iria se instalar em Campo Largo. “Cara, tá aí a minha oportunidade”, pensou ele.
“Quando eu entrei na CAT tinha cem funcionários, o barracão era a antiga instalação e eles ainda estavam cavando os buracos. Eu vi a empresa surgir do zero. Foi uma experiência fantástica. Quando eu entrei tinha 100 funcionários quando eu saí tinha quase mil” – Leandro Miguel Schepiura (LMS).
Sim, você leu certo, ele decidiu sair da empresa.
No começo, Leandro chegou à CAT como mecânico, depois se tornou instrutor de treinamento, que é considerado um ótimo cargo. Foram quatro anos de empresa, seguindo uma vida regrada, batendo cartão, das sete da manhã às cinco da tarde.
“Meu horário pertencia à empresa e isso não me satisfazia. Eu não me sentia feliz apesar de estar ganhando uma grana ‘massa’. Tinha vezes que eu pensava: ‘caramba, amanhã tenho que trabalhar’. Todo domingo dava essa coisa ruim. Aí eu falei: ‘não, não posso viver assim. Se eu não estou feliz, alguma coisa tem que mudar’” – LMS.
Para Leandro, esse lance de no domingo as pessoas sentirem a tristeza da chegada da segunda é porque não gostam do que fazem.
“Por isso a gente vive essa depressão em massa. As pessoas estão fazendo o que não gostam. Eu sabia que a única maneira de mudar, se eu não estava feliz, era sair da Caterpillar e ir para o Rio de Janeiro” – LMS.
Rio de Janeiro? Como assim?
Bom, agora a história começa a ganhar corpo. Você pode estar se perguntando: qual a conexão disso tudo que foi dito até agora com o Rio de Janeiro?
Explico… ou melhor… o Leandro explica, né?
“Minha ideia era sair da Caterpillar, comprar uma Kombi e rodar o Brasil. Era o que eu vinha planejando. Eu tinha um amigo que queria ir também, mas a família dele foi muito contra e ele desistiu. Aí, um dia, num bar, conversando com outros amigos, fiquei sabendo que eles também estavam de ‘saco cheio’ de Campo Largo e que queriam se mudar para o Rio de Janeiro. Quando me contaram, eu disse que estava dentro. Aí fomos, em três amigos, daqui para o Rio” – LMS.
Essa “brincadeira” durou três anos. Leandro embarcou numa viagem incerta, daquelas que só os aventureiros fazem. E, pra essa jornada, ele sabia que teria que analisar como iria viver na ‘cidade maravilhosa’. Uma boa sacada que teve foi trabalhar, junto com um amigo, com ecoturismo, pois já havia praticado montanhismo. Após fazer um curso técnico começou a trabalhar como guia.
Por falar em montanhismo, a vida de Leandro no Rio foi uma espécie de escalada em busca da felicidade. Depois de um tempo trabalhando como guia, também passou a vender hambúrgueres artesanais em festas. Era uma alternativa pra se virar, tirar uma grana extra.
Com bastante trabalho e uma vida movimentada, encontrou outro dos seus amigos de Campo Largo no Rio. Dessa vez, esse camarada estava na capital carioca para estudar teatro e ser ator. Assim passou a conhecer amigos da TV Globo que, coincidentemente, moravam no seu prédio. Detalhe, depois de um tempo, Leandro descobriu que morava apenas uma quadra do Projac – complexo de estúdios da Rede Globo.
“Vendo como era a vida dos atores, todo o processo criativo, vi também que dava pra resgatar a minha veia artística da época de criança. Aquele sonho antigo de ser artista. Aí pensei: vou tentar entrar no Projac nem que seja pra fazer figuração. Acabei conhecendo as pessoas certas, produtores, etc; e comecei como figurante” – LMS.
Época de criança
Como toda grande história, sempre tem aquele resgate de um sonho que ficou lá atrás na época da infância e que agora pode ser transformado em realidade. E seguir por esse caminho exige algo que nem todos têm: coragem. Leandro explica que não tem medo de seguir por caminhos incertos. Lembra que herdou isso do pai, que trabalhou durante muitos anos na Incepa (grande empresa de cerâmica localizada em Campo Largo) e que não teve medo de sair da estabilidade e abrir uma empresa prestadora de serviço.
Questionado se suas escolhas para a área industrial tiveram influência da família, Leandro explica:
“Sim. Até por isso eu fiz Gestão Industrial. Mas quando eu era criança a aula que eu mais gostava era artes. Eu sempre soube que era artista. Só que morando em Campo Largo era comum ouvir que ser artista era passar fome. Então fui para a área que me falavam que dava dinheiro, a indústria, que é o que tem aqui” – LMS.
Da indústria à arte
Leandro trabalhou pesado como artista durante dois anos. No seu currículo ele tem seis comerciais de destaque gravados. Tem trabalho com os comediantes do grupo ‘Tesão Pia’ e um projeto particular, que tá meio enroscado, segundo ele:
“Escrevo poesia também. Já tenho um projeto que une fotografia e poesia, mas eu quero transformar isso em vídeo poesia, um projeto audiovisual” – LMS.
Mas para se aprofundar nesse universo audiovisual, Leandro vai precisar de bastante embasamento intelectual, por isso não abre mão de uma boa leitura:
“Gosto de ler Clarisse Lispector. Outra coisa que utilizo muito é o Youtube para ver vídeos, por exemplo, do Abujamra. Gosto muito de ler citações. Uso o site www.pensador.com, que dá pra você colocar o nome do autor e saber sobre alguns pensamentos do mesmo. Às vezes eu não leio a obra inteira, mas com as citações consigo ver a forma como aquela pessoa pensa” – LMS.
Campo Largo: o retorno
Mas tanto na vida quanto na arte há momentos que algumas questões falam mais alto. Uma delas é a família. Em 2017 Leandro soube que seu pai fora diagnosticado com câncer:
“Quando descobri, não pensei duas vezes, arrumei minhas coisas e voltei. Queria cuidar dele, ficar perto, sabia que ele iria enfrentar coisas muito difíceis, mas, apesar de 2017 ter sido um ano complicado, ele está curado. Valeu muito a pena ter voltado, estar aqui quando ele mais precisou” – LMS.
E em mais uma mudança, dessa vez voltando às raízes em Campo Largo, Leandro encontrou na agroecologia um novo caminho para ser feliz.
Essa nova história começa ainda no Rio de Janeiro, pois ele sempre manteve uma horta em vaso dentro de casa, na sacada do seu apartamento:
“Eu sempre gostei dessa ideia de sustentabilidade. Uma vez um amigo meu de Campo Largo contou que fez alguns cursos de permacultura e agricultura sintrópica. Quando ele me contou tudo que tinha aprendido, aquilo ‘explodiu’ minha cabeça” – LMS.
Horta comunitária
Eis que se chega, então, a atual escalada em busca da felicidade de Leandro. O primeiro passo, a ideia inicial, foi criar uma horta comunitária em Campo Largo utilizando da permacultura.
Mas o que permacultura quer dizer?
“Permanente cultura. Diferente do processo convencional, onde eu preciso de insumo pra adubar a terra, insumo pra matar o mato, pra matar o ‘bicho’, precisa de insumo pra tudo, a permacultura trabalha com processos: você olha pra natureza, vê como a natureza se comporta e reproduz isso de uma forma a tirar ganhos pra você” – LMS.
Leandro explica que a natureza tem seus processos e se recupera sozinha. Segundo ele, é preciso entendê-los para usar a seu favor.
“Trabalhamos com esse processo de melhoramento. Tudo começa no solo, porque ele é muito vivo, existem milhões de vidas nele e o processo convencional de agricultura causa uma desertificação, mata a vida do solo. E nossa ideia é a oposta, é trazer a vida do solo, pois ele saudável gera plantas saudáveis, alimentos saudáveis e pessoas saudáveis. Então tudo começa no chão. E aplicamos isso na horta, sem utilização de agroquímico algum, só fazendo adubação com esterco de animais, adubação verde, palha e matéria orgânica, porque esses são os alimentos do solo. Quando mais matéria orgânica melhor” – LMS.
Ele revela que entrou nesse mundo de cabeça quando voltou para Campo Largo. Nesse período ele descobriu uma pessoa criando uma agrofloresta. Foi aí que ele, enquanto estava desempregado, começou a trabalhar no que havia começado a pesquisar. Então o que antes era apenas para conhecimento próprio, virou seu ganha pão.
A verdade é que a parada ficou tão séria que ele ingressou, através do Instituto Federal do Paraná (IFPR), no curso Tecnologia em Agroecologia, em Campo Largo. O interessante é que ele é uma pessoa totalmente consciente da importância do ensino público e de qualidade, assim como do seu papel de agente transformador da sociedade:
“Eu sou absurdamente privilegiado. Tive condições de estudar e pessoas muito inteligentes ao meu redor. Minha mãe é professora, minhas irmãs mais velhas são altamente estudiosas, estudei em escolas particulares, conheci professores muito bons, sendo que muitas pessoas não têm acesso a isso, não chegam nem perto” – LMS.
Ele conta que no tempo em que esteve no Rio de Janeiro, fez um trabalho nos jogos interescolares da capital carioca, onde visitou 90% das escolas públicas da cidade.
“Eu vi coisas inimagináveis. Vi o quanto há carência! É impossível querer que uma pessoa numa condição tão precária tenha as mesmas ideias de uma pessoa que teve todas as condições. Tinha escola sem reboco nas janelas, numa sala minúscula e com mais de 50 alunos, uns sentados na janela, inclusive. Teve escola que a gente nem conseguiu chegar porque tinha barricada do tráfico e de lá não dava pra passar” – LMS.
Mas se você pensa que a luta por mudança na sociedade começou quando Leandro retornou do Rio para Campo Largo, está enganado:
“Antes de morar no Rio de Janeiro eu já tinha um projeto social aqui em Campo Largo com alguns amigos e que depois envolveu mais gente. Nós nos pintávamos de palhaço e íamos aos orfanatos brincar com crianças. Sempre tive essa consciência de que é necessário fazer algo, pois se eu sou um privilegiado, eu tenho uma dívida com essas pessoas que não tiveram essa condição. O problema é que as pessoas que são privilegiadas não conseguem visualizar o quanto elas são privilegiadas. Não conseguem ver o quanto de dificuldade esses pessoas têm para ter uma vida digna” – LMS.
O divisor de águas para que a Horta Comunitária de Campo Largo vingasse foi o ativismo nas redes sociais. Leandro explica que após começar a propagar a ideia, foi surgindo um monte de gente interessada em participar. Até que Marta Vitória Gorski, coordenadora do Movimento de Integração Cristã – MIC, abriu as portas para a iniciativa (conheça a página da Horta de Campo Largo). O legal da horta é que está localizada na Rua Rui Barbosa, 1567 – Vila Gilcy, dentro do MIC, bem no centro de Campo Largo. Para quem quiser participar, o acesso é fácil.
Leandro explica que no começo muitas pessoas participavam, mas, com a chegada do inverno, a coisa deu uma esfriada, literalmente.
“É bem complicado esse período, pois não temos um fator de luminosidade adequado, os dias são nublados e ainda rola geada. Nesse período mais frio a horta ficou sem ninguém cuidando. Só que nas últimas semanas deu uma retomada. A galera está revitalizando os canteiros” – LMS.
O futuro
E quem não se lembra do poema do Drummond: “e agora, José?”. Pois então, a pergunta foi essa: “e agora, Leandro?”; “e a arte?”…
“Você pode deixar de fazer a arte, mas não deixa de ser um artista. Estão sempre me convidando pra fazer alguma coisa. O pessoal do ‘Tesão Piá’ vira e mexe me chama. Mas o mercado de audiovisual aqui na região não tem como comparar com o do Rio de Janeiro. Lá é o centro do Brasil. Cheguei a passar um ano filmando de segunda a segunda, todos os dias, sem falhar” – LMS.
Então, pra finalizar essa conversa, Leandro escolhe falar do seu mais “novo” amor: Campo Largo.
“Já tive vontade de ir embora, achava que viver só aqui não era o suficiente. Aquela vontade de conhecer o mundo sabe? Mas hoje eu tenho mais valores que antes não tinha. Essa coisa de viver em comunidade, conhecer as pessoas que estão ao meu redor, é um estilo de vida diferente, mais calmo, coisa que eu não sabia dar valor porque estava sempre inserido e não percebia. Hoje amo Campo Largo e não tenho mais vontade de sair” – Leandro Miguel Schepiura.
Por Regis Luís Cardoso.