Entrevista: “Mexeu com uma mexeu com todas”
Presidência do Conselho da Mulher de Campo Largo, com representatividade das organizações não governamentais, sindicatos, associações e movimentos sociais, encerra ciclo de dois anos de mandato
Foi numa fase difícil, em meio a maior crise sanitária dos últimos tempos, que essa gestão iniciou seus dois anos de mandato. No próximo 06 de abril o Conselho da Mulher de Campo Largo terá novas representantes. E, de acordo com Ávila Garret, que deixa a presidência nessa transição, foi um período muito complicado: “na pandemia foi quando mais aconteceu violência contra mulher”.
Nessa entrevista Ávila e Rosi Cunico, dirigente do Sindimovec e também atuante no Conselho, falam sobre esses anos de gestão. No histórico, muitas ações. Desde ir às escolas conversar com adolescentes e percorrer o interior do município, até ocupar espaços públicos para falar sobre violência de gênero, obstétrica e educação sexual.
Criado em 2015, o Conselho ajuda no combate a desigualdade de gênero. Se hoje Campo Largo conta com o “Botão do Pânico”, ferramenta para denunciar situação de violência, é graças a luta das mulheres. Também só há verba para vítima em situação de risco se hospedar em locais indicados e com determinação do Ministério Público pela ação das conselheiras e a viabilização através da Secretaria de Desenvolvimento Social do município.
“Todas as participantes são atuantes. Inclusive conselheiras são perseguidas. Teve uma vez que uma de nós foi acusada injustamente de “abuso do poder”. O engraçado é que a informação, além de ser falsa, mexeu com todas. Porque cada represente achava que era com ela. Sinal que a mulherada está fazendo o tempo todo algo”, explica Ávila.
Para Rosi, o objetivo do Conselho é cuidar da mulher e resolver alguns problemas antigos na cidade. Como é o caso da luta por um espaço adequado na delegacia, uma estrutura que dê privacidade para a vítima falar: “o que acontece é o contrário. Já na recepção precisa se expor. É mais uma violência que a mulher passa quando vai tentar denunciar uma agressão”.
Sobre essa questão do espaço físico, Ávila acrescenta: “chegam denúncias por vários meios, muitas vezes de maneira informal. Vítimas que conhecem nosso trabalho e procuram. Mas se tivesse um espaço físico, as mulheres saberiam exatamente onde recorrer. E esse espaço deveria ser num lugar como a prefeitura, por exemplo, onde não tem como saber as razões da pessoa ir lá. Para blindar e proteger a vítima”.
As situações de violência, de acordo com as representantes, acontecem com frequência. Os relatos chegam em sua maioria por rede social. Momento em que, muitas vezes, é feito o primeiro atendimento.
Ter um espaço específico é uma bandeira do Conselho:
“Nós sempre pedimos a delegacia da mulher. A justificativa é que é um órgão estadual. Mas nós precisamos de algum espaço estruturado. Se não é uma delegacia, então vamos colocar uma secretaria. Se é caro, vamos colocar uma equipe dentro da prefeitura para atender”, sugere Ávila.
Na prática, o trabalho das conselheiras vai além. Ela completa: “algumas de nós já fez plantão para acompanhar denúncias de cárcere privado, por exemplo. É um trabalho de rede. Mexeu com uma mexeu com todas”.
“O que o município oferece funciona nos dias de semana, horário normal. Mas os casos acontecem na maioria das vezes no fim de semana. E a Patrulha Maria da Penha as mulheres nem sabem exatamente qual é a viatura, porque são iguais as da guarda municipal”, aponta Rosi.
De acordo com relatados das vítimas, a primeira coisa que o agressor pega para impedir a denuncia é o celular. Ou seja, somente o “disk pizza” não é suficiente.
“Primeira coisa que some da mão da vítima é o celular. Ainda mais nervosa, quem consegue ter o discernimento?” – Ávila.
O Conselho da Mulher apoiou e acompanhou a aprovação no legislativo de Campo Largo da implementação de uma patrulha específica para cuidar da violência contra a mulher.
Rosi também é dirigente do Sindimovec e explica que casos de violência são relatados em várias camadas da sociedade. Nas fábricas, por exemplo, quando acontece uma denúncia, “inicialmente é tratada diretamente com a assistência social da empresa”.
A questão do controle do número de casos é um assunto complicado, principalmente quando são dados específicos sobre feminicídio.
“Por exemplo, teve um caso de uma mulher que foi queimada pelo marido. Ele literalmente botou fogo nela. Ela ficou duas semanas no hospital e faleceu. Para o atendimento ela morreu queimada, para nós do Conselho foi feminicídio. Esse tema vai muito além das estatísticas, mas é importante que as mulheres denunciem para poder mostrar o número real. Com esses dados divulgados, sem dúvida viria verba para o município investir de forma mais robusta, digamos assim, na luta contra a violência de gênero”, enfatiza Ávila.
Luta
Nesses anos atuando na defesa da mulheres, Ávila e Rosi tornaram-se militantes que fazem parte de uma rede de pessoas que se ajuda. Elas sabem que há obstáculos e o machismo colabora para que situações pesadas continuem acontecendo.
A luta segue. Agora o Conselho vai trocar de gestão, com condução governamental.
Sobre o 8M, Ávila finaliza:
“O 8 de março não é festivo. Não temos o que comemorar. Em Campo Largo nós não temos uma patrulha específica. Nós já propomos que em caso de denúncia uma equipe qualificada atenda, com policiais específicos e um carro disponível para isso. O executivo diz que tem, mas não consigo ver. Será que a mulher que está sofrendo abuso está vendo?”.
Por fim, apesar dos grandes desafios, esse coletivo de mulheres cresce e se fortalece:
“Esse nosso grupo hoje são de mulheres empoderadas. Eu tenho orgulho das meninas que estão conosco, porque elas vão, enfrentam, correm atrás. Nesses dois anos eu tiro meu chapéu para o que nós fizemos. Temos orgulho do Conselho”, conclui Rosi.