Taubaté (SP): Ford já prepara-se para o trabalho sem CLT
Empresa tenta driblar pagamento de horas extras em Taubaté (SP). Operários reagem e vencem — mas perderiam, caso a contrarreforma já estivesse em vigor. O caso traz para o debate se as alterações na Consolidação das Leis do Trabalho são, de fato, reformas ou “deformas” trabalhistas
Um caso emblemático e que exige atenção de todos os trabalhadores. Primeiro vamos contextualizar: aproximadamente 1500 funcionários da fábrica da Ford em Taubaté (SP) tiveram uma pequena prova do que está por vir, após a aprovação da “Reforma” Trabalhista. A empresa está tentando recuperar um antigo acordo de trabalho que permitirá que ela drible o pagamento de horas extras trabalhadas aos sábados.
O caso evoca um dois pontos polêmicos da reforma: o chamado “negociado sobre o legislado” e a limitação do poder da Justiça Trabalhista. Segundo o texto, acordos firmados entre patrão e trabalhador serão superiores à lei, e o Judiciário deverá interferir o mínimo possível nestes contratos. Na teoria, seria um dos pontos da “modernização” que prometem “flexibilizar” os modelos de trabalho. Na vida prática — onde já se contam 13,7 milhões de desempregados —, a conclusão lógica é a de que terá vaga quem estiver disposto a aceitar empregos que só tiram benefícios dos trabalhadores.
Em relação ao “caso Ford/Taubaté”, o acordo que a montadora está tentando resgatar foi assinado em 2012. Naquele ano, a indústria registrava altos índices de produção, motivados pelas isenções fiscais dadas pelo governo Dilma Rousseff ao mercado automobilístico. Em agosto de 2012, a produção nacional de automóveis chegou a cerca de 33 mil unidades. Em junho passado, caiu para aproximadamente 21 mil, de acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. No entanto, a demanda por exportações, uma das especialidades da fábrica do interior de São Paulo, tem aumentado e tem previsão de subir 7,2% no acumulado do ano. Ainda assim, não seria o suficiente para retomar o ritmo de 2012.
Motivada pelos ares otimistas do mercado e pelo fim do auxílio governamental que a empresa recebia via Programa de Proteção ao Emprego (encerrado em junho), a proposta feita aos trabalhadores era retornar ao acordo já vencido. Assim, a fábrica só pararia de funcionar aos domingos, aumentando sua produtividade.
O TRT propôs o retorno da maioria dos metalúrgicos em jornada de segunda a sexta, sem descontar de seus salários os dias de greve. Ponto para os trabalhadores. O formato deve se manter enquanto sindicato e empresa tentam solucionar o impasse dos horários. Caso isso não ocorra, a decisão vai ser tomada pelo TRT. Um sinal de força da Justiça Trabalhista.O acordo firmado em Taubaté respeita a CLT atual, como explica Renato Sabino, especialista em Direito do Trabalho e professor do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR). Ele conta que, se houver compensação da folga não retirada no sábado durante os dias úteis, não é necessário pagar horas-extras pelo tempo trabalhado no fim de semana. Os benefícios deste formato, no entanto, ficam apenas com a empresa, como descreve o próprio Sabino:
“Pela experiência prévia, os funcionários provavelmente notaram que, na prática, acabam perdendo um dia na semana. Devem ter percebido também que este é um formato que traz mais lucros para a empresa, aumentando sua produção, e pouco retorno para eles que, além da hora-extra, perderam um dia com suas famílias”.
O que é preciso deixar claro para todos os trabalhadores é que se o caso da Ford de Taubaté acontecesse em um cenário de reforma aprovada, o TRT não poderia interferir tanto quanto pode hoje, o juiz teria de analisar “exclusivamente a conformidade”. Portanto, o que está por vir é um cenário de incerteza aos trabalhadores. Leia matéria na íntegra aqui, via portal Outras Palavras.
Por Helena Borges (The Intercept) – edição: Regis Luís Cardoso (Sindimovec).